terça-feira, 28 de setembro de 2010

Diário de um recém-formado


 

Imaginei um zilhão de temas para o meu primeiro post e inauguração do blog, no entanto, surgiu uma questão mais premente e tive, por ora, que prescindir dos planos iniciais. Devo advertir que, devido ao seu caráter emergencial, o texto a seguir poderá soar um tanto dramático. A inspiração primeira do mesmo surgiu em função de uma solicitação (exigência)  da querida amiga, e quase única seguidora no blog, Jacyara Faustino (@jacyarafaustino), a quem eu dedico o post e, desde já, prometo pitadas “hilárias” de mau-humor - estas últimas, palavras dela.

Parece mesmo que foi ontem que ingressei na faculdade. O alívio, a euforia, a ansiedade e a incerteza frente ao novo eram sentimentos comuns, acredito eu, à maioria dos que embarcavam nessa nova jornada. Recordo-me bem que, no segundo dia de aula, encontrei dois dos meus professores do ensino médio, aparentemente felizes por minha nova conquista, parabenizaram-me e, logo depois, um deles proferiu em tom catedrático a seguinte frase: “faculdade é isso, você reza pra entrar e reza pra sair” (sic.). Pensei comigo que não poderia haver melhor estímulo a um recente universitário (e sim, estou sendo irônica). A questão é que, por algum motivo, essa lembrança aparentemente tola tem invadido meus pensamentos com maior frequência do que eu gostaria.  Coloquei-me a pensar que, hoje, se tivesse a oportunidade de encontrá-lo novamente, faria outra queixa, desta vez verbalizada. Reclamaria o fato dele não ter completado a frase - porque acho mesmo que tenha ficado incompleta. Ele se esqueceu de dizer que melhor mesmo era economizar as preces para quando saísse da faculdade, pois eu iria precisar, e muito.

Na verdade, nos últimos dias, esse tem sido um tema recorrente na minha vida, ocupando boa parte dos encontros e diálogos, especialmente com amigas do tempo da faculdade. Pareceu-me que, mais do que falar, escrever a respeito seria uma boa e necessária ideia. É digno de nota que o breve relato que se segue - dos primeiros 6 meses da vida de um recém-formado - é resultado da junção de elementos autobiográficos, observações gerais, diálogos com amigos dos tempos da faculdade, minha modesta criatividade e, não esquecendo, dos monólogos daquelas pessoas que sentam ao nosso lado no ônibus, puxam conversa, e contam toda sua vida antes mesmo que possamos esboçar qualquer reação. As fontes diversas são o motivo pelo qual o farei na 3ª pessoa, espero que a explicação anterior sirva para descartar a hipótese de distúrbio de (des)personalidade em relação à minha pessoa.

No 1º MÊS – É só alegria! Com exceção de alguns poucos que já estão empregados, acabaram de passar em um concurso, ou já engataram o mestrado dos sonhos, os demais procuram não ter grandes preocupações, e nem deveriam, afinal, poderão finalmente usufruir as merecidas férias; que só não são perfeitas pela detecção do início de uma leve pressão imbuída nas perguntas de familiares – “Já tem algo em vista?”.

No 2º MÊS – Hora de retornar à rotina e fazer planos. Iniciam-se as buscas frenéticas nos sites de emprego, as consultas aos concursos previstos, e a análise daquela pós-graduação pretendida. Até então, você faz questão de repetir a si mesmo: “tudo sob controle”. Você está convencido de que tudo é uma questão de tempo e as coisas vão acontecer, então fica a imaginar como será o emprego tão desejado, que, é claro, virá acompanhado de um salário também desejado.

No 3º MÊS – Você faz um concurso e chega muito perto (mesmo) da aprovação, mas não foi dessa vez. Então, repete o feito a todos que perguntam como você está na tentativa de racionalizar o que, no fundo, você vê como uma “pisada na bola”. Quanto à pergunta que mencionei no relato do primeiro mês, ela permanece, mas com uma "pequena" alteração que, creia, faz toda a diferença: “Já está trabalhando”?.

No 4º MÊS – A esta altura não dá mais para se enganar, você já está caminhando rumo ao desespero. Você volta lá aos sites nos quais cadastrou o currículo e, por um momento, se enche de esperança; há uma vaga! Não é exatamente o que você tinha em mente, mas... Então, em seguida você experimenta um misto de espanto, frustração e revolta, ao ver que o salário beira o ridículo. Não foi para isso que estudou tanto, e ainda continua estudando, você pensa.

No 5º MÊS – Você resiste ao sentimento de fracasso, e busca uma espécie de reequilíbrio do tipo “levanta, sacode a poeira e dá a volta por cima”. Você cansou de justificar o porquê de ainda não estar trabalhando – “não surgiu a oportunidade certa para mim”; “é ano de eleição e os concursos ficaram escassos”; ou melhor/pior (ao estilo você decide) “estou analisando algumas propostas”. Por outro lado, ainda não cansaram de fazer a mesma perguntinha, acho que não é necessário repeti-la, você já a escutou mais do que o tolerável. De repente, está em frente ao computador e aquela lista antiga de músicas começa a tocar, você não consegue conter as lágrimas ao escutar “Já é” do Lulu Santos. (Está bem, em solidariedade a você que não se lembra da música, aqui vai o trecho mais crítico, aquele que toca na ferida: “Sei lá/ tem dias que a gente olha pra si/ e se pergunta se é mesmo isso aí/ que a gente achou que ia ser/ quando a gente crescer...”).

No 6º MÊS – Agora não dá mais para disfarçar, nem para si, nem para os outros, você realmente sente-se frustrado. As pessoas ligam para você e a primeira coisa que perguntam é: “estava dormindo?”; como se a palavra desempregado fosse o mais novo sinônimo para o indivíduo que sofre de hipersonia. Sua irmã, que ainda é universitária e mais parece um executivo de alto escalão da Wall Street de tão ocupada, trata de dar uma melhorada no seu humor e estima e diz: “Tão inteligente minha irmã, só precisa arrumar um trabalho”. A fim de evitar cometer qualquer crime passional, você resolve espairecer indo a festa de aniversário da sobrinha do seu cunhado, em um devaneio você pensa que, se nada surgir de imediato, ainda tem a alternativa de poder fazer um bico como ajudante de palhaço de festa infantil. A fantasia de bila bilu (elefante rosa do DVD da Xuxa) nem lhe cairia tão mal assim.

Bem, espero não ter que continuar a escrever neste diário, pelo menos não nessa perspectiva, com sorte - considerando que a esperança é a última que morre -, o tema se transformará nos próximos dias ou semanas (recuso-me a escrever meses).
P.S. (que, com certeza, não é o "Eu Te Amo"): Para quem não é bom entendedor, ao qual meia palavra basta, esclareço: além de tudo o mais sobre o que pretendi falar, este texto serve para avisar - as palavras alertar e ameaçar também se aplicam - que não é aconselhável perguntar a um recém-formado sobre o que ele está fazendo, ou mais gravemente, se já está trabalhando, correndo-se o risco de, na melhor das hipóteses, receber uma resposta pouco educada e, na pior delas, presenciar um surto psicótico do indivíduo. Para a sorte de todos que me perguntaram, eu ainda contava com a alternativa de escrever.

Humor (negro) à parte, penso que o texto trata de uma questão importante: a angústia legítima própria a essa fase da vida. Creio que numa outra perspectiva, despida da conotação hiperbólica, poderá servir a uma boa reflexão. Se lhe interessa, buscarei pensar alguns aspectos a esse respeito em um próximo texto. Junta-se a mim?
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