domingo, 5 de dezembro de 2010

Interdisciplinaridade: do que se trata?





Desta vez, trago um texto com uma proposta diferente, de teor mais técnico. O mesmo é de minha autoria, e foi pensado e escrito há dois anos em cumprimento a uma exigência acadêmica. Embora sucinto, penso que o mesmo poderá ser útil ao tratar um tema atual, importante e de interesse de muitos estudantes e profissionais; e que, apesar de ser bastante difundindo e utilizado - muitas vezes indiscriminadamente -, ainda desperta dúvidas e incita equívocos. A mim, particularmente, serviu para melhor compreender a questão da interdisciplinaridade e, principalmente, desfazer alguns equívocos em torno da mesma, o mais comum deles, o uso dos termos multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade e  transdisciplinaridade como seus sinônimos. 


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INTERDISCIPLINARIDADE: DO QUE SE TRATA?


Por Jacqueline de Melo e Silva




Pode-se dizer que a interdisciplinaridade atualmente consiste em um desses termos da moda, os quais são empregados indiscriminadamente, mas que a grande maioria não compreende ao certo o conceito. Pensa-se que umas das principais questões no tocante a essa temática reside justamente neste tópico, o do não entendimento do conceito, o que por sua vez implica questões ainda mais complexas, dentre elas, o uso de um conceito que não se traduz na prática, servindo apenas para maquiar aquilo a que se propõe questionar.


Entretanto, à medida que se avança na pesquisa sobre o tema interdisciplinaridade, e aqui me refiro de modo particular, torna-se mais compreensivo o motivo do mesmo suscitar discussões e divergências, bem como o fato de ser alvo de certa confusão quanto ao seu entendimento. Sem dúvida, trata-se de um tema complexo e não passível de simplificações e, frente à impossibilidade de abordar o mesmo de forma profunda, dada a minha condição de iniciante, busquei refleti-lo da forma mais inevitável, porém fundamental e imprescindível ao se tratar qualquer tema que seja: perguntar sobre o que se trata.


Entendendo que a intenção em responder a pergunta seja pretensiosa, busquei, então, a resposta naqueles que são considerados os responsáveis pela introdução do tema Interdisciplinaridade no Brasil, Japiassú e Ivani Fazenda, os quais afirmam que a interdisciplinaridade é a saída para o problema da disciplinaridade, esta que por eles é contextualizada como doença, a qual deve ser superada, ou curada, através da prática interdisciplinar (ALVES, BRASILEIRO E BRITO, 2004). Ao invés de me satisfazer com a resposta, só consegui encontrar outras perguntas, compreendi então, imediatamente, que não existiriam respostas que fossem totalmente completas ou me fornecessem o entendimento real do conceito.


No que diz respeito aos questionamentos que se acrescentaram, pergunto: o que seria então essa prática interdisciplinar? Segundo Carlos (2007), ela seria uma espécie de interação entre disciplinas ou áreas de saber. O autor alerta, porém, que a mesma pode ocorrer em vários níveis, de modo a explicar o surgimento de termos como multidisciplinaridade, pluridisciplinaridade, e transdisciplinaridade, estes que muitas vezes são usados de forma equivocada como sinônimos de interdisciplinaridade e igualmente usados de forma indiscriminada. Coloca ainda que o esclarecimento das distinções entre as terminologias poderá vir a contribuir para um uso mais cuidadoso dos referidos termos.


Em relação à classificação de tais terminologias, foi Japiassú também quem contribuiu nesse sentido ao fazer uma adaptação à classificação originalmente proposta por Eric Jantsch. Sendo assim, a multidisciplinaridade é colocada como primeiro nível de integração entre os conhecimentos disciplinares e consiste em uma ação simultânea de diversas disciplinas em torno de uma temática comum, sem que haja uma interação entre as mesmas. A pluridisciplinaridade, por sua vez, implica, diferentemente da situação anterior, um tipo de interação entre as disciplinas sem que estas apresentem algum tipo de coordenação no que diz respeito a um nível hierárquico superior; por isto, muitas vezes indiferenciada da multidisciplinaridade (CARLOS, 2007).


A interdisciplinaridade seria, portanto, o terceiro nível de interação consistindo no que, segundo Japiassú (apud CARLOS, 2007), caracteriza-se como a “presença de uma axiomática comum a um grupo de disciplinas conexas e definida no nível hierárquico imediatamente superior, o que introduz a noção de finalidade”. Por fim, a transdisciplinaridade estaria para além da interdisciplinaridade na medida em que se daria em uma coordenação entre as disciplinas e interdisciplinas sobre a base de um axioma geral.


Retomando os questionamentos, surgiu a dúvida se de fato a interdisciplinaridade deve pretender a uma superação e/ou cura da disciplinaridade. Discussão esta que embora fuja ao escopo da presente reflexão, é de suma importância na abordagem do tema. Penso que - aqui posiciono-me de modo particular - a despeito de quais sejam as opiniões - extremistas no sentido de enfatizar uma especialização contínua do conhecimento ou, por outro lado, uma generalização exagerada, e até mesmo aquelas que primam pelo equilíbrio destas -, um contraponto é sempre uma ideia sensata e necessária. Sabe-se que a interdisciplinaridade surgiu como uma necessidade de romper com a tendência fragmentadora e desarticulada do processo do conhecimento defendida pela racionalidade positivista de uma “verdade” científica; e pelo menos quanto a esta afirmação há certo consenso. No entanto, para que a temática da interdisciplinaridade não venha também a se configurar nesse discurso da “verdade absoluta”, incorrendo no mesmo erro, é saudável que haja contrapontos, ainda que estes venham a defender um retorno à lógica cartesiana. Já que, nesse sentido, estaremos sempre sendo impelidos a uma constante reflexão, discussão e crítica acerca do tema, de forma a criar solo fértil para a construção do mesmo. 


Logo, presumo que a pergunta que consiste no título da presente reflexão não pôde ser respondida, o que de início já sabia tratar-se de uma grande pretensão, uma vez que um tema como este requer constante e profunda discussão e interlocução entre muitas “vozes”. De todo modo, sempre estará distante de encarar sua completude e consenso – ainda bem –, esse que pode ser considerado um traço permanente – o único, assim espera-se – das discussões em torno dos importantes e complexos temas. Porém, a despeito dos inúmeros conceitos criados para dar conta da sua compreensão, das discussões mais profundas sobre a produção do conceito, bem como as divergências quanto aos seus limites, faz-se necessária e imprescindível a constante discussão, como esta aqui proposta, para que, assim como a própria interdisciplinaridade propõe, possa sempre estar havendo a troca, o diálogo, a percepção de limites, assim como o acolhimento das contribuições de outras perspectivas a fim de uma construção acerca do presente conceito.




Referências

ALVES, R.; BRASILEIRO, M. C.; BRITO, S. M. O. (2004).  Interdisciplinaridade: um conceito em construção. Episteme, Porto Alegre, n. 19, p. 139-148, jul./dez. 2004.

CARLOS, J. G. (2007). Interdisciplinaridade no Ensino Médio: desafios e potencialidades. Dissertação de Mestrado. Programa de Pós-Graduação em Ensino de Ciências. CAPES.

PEREIRA, M. A.; SIQUEIRA, H. S. (1995). A Interdisciplinaridade como superação da fragmentação. In: Uma nova perspectiva sob a ótica da interdisciplinaridade. Caderno de Pesquisa, n.68, Setembro de 1995. Programa de pós-graduação em Educação. Universidade Federal de Santa Maria – UFSM.













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